Wednesday, December 14, 2005


ela tomou aquele ácido eram duas da manhã, e já eram cinco. não passara o efeito em hipótese alguma. ok, ok. eram os anos 90, o ácido não estava na moda. os amigos todos estavam afundados na cocaína. ela preferia o estilo retrô. preferia pensar que eram os 60´s, e que estava escutando janis joplin, summertime, em algum boteco com seus amigos/estudantes/miltantes/quelutavampelacausadaditaduraeerampresos e tal. a verdade é que o que tocava na hora era uma banda cover de nirvana, em um bar tão sujo quanto o boteco mencionado. e ela estava ficando bastante alterada.
fumava seu cigarro quando escutou a voz:
mariana.
no momento estava no banheiro, mais precisamente, ao vaso. tudo turvo, tudo colorido. e o espelho, quebrado nos cantos, como de praxe em todo lugar junkie que se prese, acusava uma imagem que não era nem de longe a sua. uma menina pálida, linda, gótica. olhos devidamente borrados e boca devidamente carnuda. sua amiga, letícia. a que tinha se matado ano passado. depressão, coitada. sofria muito. era a vítima do mundo. cocaína. rock. deu um tiro na cabeça por não aguentar ser letícia, promíscua-vicada-louca, e blá blá blá.
mariana?
relutou. covarde, encolheu-se contra a parede, num sobressalto. as unhas pressionando os joelhos fortemente.
não tenha medo, mariana. sou eu.
quem?
letícia.
não sei quem é você. você está morta.
não me venha com esse papinho redundante. isso eu sei.
o que você está fazendo aqui?
quero te dar um aviso.
que aviso?
deixe de tantas perguntas, por favor. tenho que te dar um aviso, foi o senhor que me mandou.
desde quando você acredita em deus, letícia?
desde que eu me matei. e vi, e tal.
o que ele tem pra me contar?
ele me mandou aqui pra te dizer que você está esperando um filho.
eu?
você.
de quem?
dele.
tipo maria?
igual.
tipo parir jesus?
exato.
não pode ser!
mas é. e te prepara, que este filho será o messias, igual ao outro.
mas por que eu?
não sei. deve ser algo de outras vidas e tal. é muito frequênte esse negócio de outras vidas aqui em cima e tal. as pessoas vivem carregando fardos. o teu, querida, é parir o messias.
não estou preparada, letícia.
mas tem que estar. o senhor te escolheu. se ele te escolheu é porque você é especial, amiga. aproveita e te joga na salvação.
mas eu tenho 17 anos. não tenho condições de ter um filho. muito menos um com um pai onipresente e onipotente.
sobre o lance de estar preparada ele te mandou um recado: vire-se.
mas...
sem mas. tenho que ir.
mas...
adeus.
a imagem desvanesceu-se naquele momento, fragmentando-se em pequenos faxos de luz que iam implodindo até sobrar nada, como uma estrela que morre. pegou suas coisas, confusa. na bagunça, a bolsa caíra no chão, derramando por todo piso batom, perfume, carteira e cigarro. ajoelhada, tensa, trêmula, pegou coisa por coisa e guardou. saiu, foi pra casa de taxi. não falou sobre isso com ninguém. não tocou mais no assunto.
no taxi, amriana alisava a barriga. filho. filho. filho, era somente o que pensava. e crianças, e aquela bobagem toda de ser maria. e a santíssima trindade, obviamente.
sempre odiara esse papo idiota de igreja e cordeiro de deus.
e hosana nas alturas.
letícia anjo de luz?
o céu deve estar desabando.
letícia = anjo de luz (?)
mariana = mãe do filho de deus (?)
e no taxi lhe ocorreu que aquilo tudo poderia ser apenas uma alucinação efeito do ácido. nada mais típico. bad trip. só podia.
e se?
por via das dúvidas, mandou o motorista parar numa farmácia no caminho, e comprou com o dinheiro que restava-lhe, a pílula do dia seguinte.

1 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Adooouro! O texto apesar de não ter um estilo muito definido, o conteúdo, a narrativa em si é tragicômica, humor-negro, muito interessante. Parabéns.

6:32 AM  

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