Saturday, April 22, 2006

têm coisas que não te digo
calo-me a sete chaves
sete pontos no lábio
tenho coisas aqui e não te digo
em absoluto
prefiro que vejas nos meus mínimos detalhes
prefiro que perceba
detalhe:

eu te jogo todo dia
um punhado deles
te joguei um
agora
já!
pega!

não, não te confesso.

Thursday, April 20, 2006

Papel Cartão
para J.Albuquerque


me pede, então, que te prove meu amor
e eu desenho pra você um coração
- e você se choca.
porque não era coração de cartolina
em sua perfeição
sem rebarbas,
sobras,
os feito à tesoura, com esmero
e beleza de um coração
que em si parece mais
um símbolo.

meu coração é, sim, um símbolo

mas te desenho um coração,
bem como te disse,
e tu te choca com as veias,
e o azulado, e a textura
de músculo
átrios e ventrículos
abrindo
pulsando.
meu coração é desses assim:
pedaços de carne
que te dou não somente como oferenda, mas sim como alimento

coma e desfrute-o

lamba-o e entregue-me
só não rasgue esse meu desenho
que eu construí com tanta tinta
e com tanta dor nas mãos

mas me pedes uma prova de amor. então te dou
toma esse coração
mas não te surpreendas se ele for feio
porque todos os corações são um pouco feios

por dentro
por fora
pulsando.
bonitos são aqueles de papel cortado
cartão.
mas esses não te dão o calor
de carne que exala

se fosse você,
pegaria a prova do meu amor,
amassaria e poria na boca

e engoliria,
deglutindo
para tu me teres por dentro
e não em tua estante
ou num livro
- que pode manchar.




Wednesday, April 19, 2006

me disse então que minha poesia era suja
e te respondi:
não tem nada de sujo num poema
nada
poema não tem q ser limpo
tem q ser assim,
pelo menos o meu:
tão sujo de sangue
e de cinza.
poema que fede à boteco
e a lençol.
poesia subversiva
e submissa
aos caprichos de quem a faz calar
sob um manto de carne
e osso
e sangue
e lágrima
e porre
e cocaína
e desilusão
e vontade se matar
às vezes
todo dia
das sete às dez
porque das onze à uma
eu faço uma linha ou duas
de poema que
não pode ser nada além de sujo
porque de limpo só se tem a superficialidade
ou alguma mentira.

Tuesday, April 18, 2006

Vênus.

explode-te os olhos
quando fixa a ínfima estrela
estrela que esconde, naquele brilho agoniado
flagelos de amantes e
uma farsa -
a de não ser estrela,
mas planeta, implacável
planeta sólido, de terra, chão
areia, gravidade
e não brilho
planeta que ostenta seus braços caídos no chão
rachados
e o suspiro da deusa
arfante, nascida da espuma do mar
que mata em segredo
e tranforma em ferida teu átrio


pois entrega-te ao teu ilusório
contempla o brilho. contempla bem, de olhos arregalados
e entrega-te à tua estrela
mas não acredite nas palavras que ela diz
não, jamais.
jamais acredite em uma só.
porque nem tudo que brilha é estrela
e nem tudo que suspira é espuma do mar
e nem que tudo que goza é deusa.

venus explode-te os olhos
e tira-te os sentidos
ela te quer, meu bem
ela te quer, e te terá
pois brilha em sua estrela
- dura de pedra, sólida:
planeta
venus, enganando os céus
e fazendo juras de que é brilho a rocha


te veste como luva
em braços inexistentes.

existe um desespero nesse teu jeitinho de puta que me fascina
como me fascina teu riso solto
e tua unha descascada
esse teu jeito de puta
- cabeça aos pés
jeito de mulher largada, alargada
mulher de pele oleosa, mas ainda assim
de riso frouxo
de coração na mão
de rir de tudo
de passar batom e beijar o espelho,
desesperada,
beijando o amado,
beijando a si.
beijando o amado, e beijando a si, por que não?
ao mesmo tempo
e beijando aquilo que fora
beijando a trança, o lábio sem cor
a unha sem esmalte
o seio sem rouge.

tu tens um jeito bem de puta, um jeito que me fascina
e é teu desespero, mulher,
por ser amada que te abre o riso e a blusa
que te oferece àqueles três
porque algum deles,
algum daqueles homens,
ou algum homem no universo
pode vir a te amar

por isso teu jeito,
por isso tua convenção de rir
e teu olhar de sortilégio
de caça.
porque cada esquina é uma chance
cada carro que passa
cada
e, confiante, te abres sempre
te abres toda
como uma flor que faz todo dia a mesma prece para ser colhida.

Sunday, April 16, 2006

ando passional. ando fantasiando, denovo, e por tempo indeterminado.
até eu, pelo menos, ragar tudo que tenho escrito;
arranhar meus discos, arrependido;
fazer bigode em desenho;

mas estaria sendo passional.
então até que eu guarde tudo isso numa caixa
e deixe no meio da sala.
até alguém, q não seja, eu,
(porque estaria sendo passional outra vez)
colocar no lixo.

Saturday, April 15, 2006

teu cigarro é fraco, como teu verbo
cigarro de quem está parando
de ex-fumante de ex-caso
e não é descaso, só divergência de interesse
eu preciso agora é de marlboro
de fumaça, de arfar
daquela que é fumaça destrutiva pra minha voz que já está ficando rouca
que são palavras que tu cala
e que eu grito, já entregue
eu vivo de vodka,
você é cerveja sem álcool

- teu vício tem culpa

e o teu complexo não satisfaz meu excesso
megalomalgumacoisa.
megalomatudo.
megalomanada nesse abismo escuro que separa teu pouco do meu muito
a ponta dos teus dedos do meu tapa.

teu free é pouco free pro meu lyfestyle.

sim, eu tenho raiva, amor
raiva de tristeza
não que eu me faça de vítima,
pelo contrário
das minhas veias explodem glóbulos
e explodem casos em que eu me vejo
aqui sentado em cama de apartamento
e você, nem um convite
pra jantar, pra esquecer
pra mandar essa minha mágoa pro seu devido lugar
e eu desespero teu celular
e tenho medo de desabafo
porque todos meus amigos vão pensar que eu desespero.

quebro espelho
quebro casa
quebro mão
quebro a janela por um grito que eu não dou
que eu amargo no meu íntimo.

meu peito está cheio de sangue e fúria
que eu só uso em certos momentos
como os que eu me debruço sobre a mesa
em papel usado
e rabisco o óbvio
com toda a fúria que eu posso
como se despejasse minhas palavras nos teus braços
que arranho de caneta.
mata,
e engole, e te faz de gato
teu sapato, ou algum resquício
alguma sobra do teu prato
e tua unha ou pedaço de papel manchado
ou cabelo esquecido no tecido do casaco
minha fome, o teu peito
minha fome que eu só mato
quando pego e te engulo
e te guardo no palato

só quero o teu beijo ou te cigarro
qualquer coisa que tenha tocado no teu lábio.

Wednesday, April 12, 2006

eu realmente não quero entrar em detalhes
de qual é tua cor favorita - prefiro descobrí-la no teu olho
porque tem coisas, meu bem, que precisam de um certo mistério
coisas que não podem ser ditas
porque perderiam a magia, o tom
assim como há coisas tão bonitas que não merecem serem vistas
e sim permanecerem em segredo
até que eu as descubra dentro do teu olho.

Tuesday, April 11, 2006

veja bem, meu amor. veja como tudo isso é irônico, não é mesmo? estamos aqui, nessa sala. essa sala que já tem tantas histórias, histórias nossas, revirando um baú de mágoas. quem diria... quem diria mesmo. por essas e por outras que eu chego à conclusão que paixão e mágoa é tão parecido, e que na verdade é tudo um desespero. como assim, desespero, tu me pergunta?ah, tu me conhece bem, sabe que exagero. desculpe, desespero não, é uma leve agonia. uma frustraçãozinha de nada. um grãozinho de areia. até porque, somos cordiais, somos filhadaputamente educados, polidos. superficiais, de longe, e não vamos admitir aquele pranto, cada um de um lado do telefone.

não é permitido.

hoje em dia, meu amor, é tudo uma questão de manter as aparências. por isso mesmo sentamos aqui e conversamos. o tempo, as saudades. tu me fala da tua baboseira pretenciosa, e eu rio. ah, se rio. rio espontâneo até, é incrível. eu te adoro, cara. adoro teu senso de humor. você é ótimo. você é magnífico, e talentoso, e que bom, que bom que somos amigos até hoje, né?

afinal temos maturidade. e discernimento, e educação e hipocrisia. um beijo. me despeço recusando seu convite pra outra xícara de café, estou atrasado. a gente não se olha tão fundo mais porque se a gente se olhar, meu amigo, se a gente se olhar bem no olho será vergonhoso demais. será uma explosão, será, talvez, mais do que nossa rasa hipocria poderia suportar, e a gente não quer isso, não é mesmo, meu bem?

por favor, manda um abraço pra rosa, que saudades dela.

Monday, April 10, 2006

Ah, mas afinal, quem pode nos culpar, não é mesmo? eram os anos oitenta, tudo culpa da década, tudo culpa da geração, já dizem os pesquisadores. eu ia pra oswaldo, naquela nojeira que era a oswaldo em oitenta e um e morria todo dia um pouco lá. todo dia. eu morava bem perto, e morria todo dia naquela calçada. não estudava mais, não trabalhava porque era cômodo, gastava meu dinheiro todo em tinta barata pra pintar em eu amenidades viciantes pra sustentar minhas megalomanias, afinal, eu tinha que ser uma grande estrela. uma mulher grandona, bonita, charmosa, punk, toda punk até o último fio de cabelo. bebia horrores, me chapava de maconha, mas sempre linda, morena, e superior.

cheirava uma, duas três, sete carreiras grossas, do tamanho do meu mindinho. cheirava até me sentir a própria rainha elisabeth. era minha fuga. afinal eu era uma mulher bonita, uma star, uma pintora. na verdade, eu não era nada disso. eu era uma pintora sem criatividade, que chupava frida kahlo, e via minhas amigas lesbas tão criativas, umas arrasando no brasil todo, e expondo nas malditas galeriazinhas que eu tanto desprezava e admirava. e via meus amigos cantando, e via que todos eles, apesar se estarem ali comigo naquela oswaldo de oitenta e um - morrendo que nem cachorros viciados que nem eu - tinham um dom, um projeto e um gancho pra salvar. eu não fui salva, eu parei doida. eu parei enlouquecida atrás de uma carreira. eu parei no meu apartamento lindamente decorado de socialite revoltadinha com a família. parei toda sozinha, tremendo por uma fungada. e cheirei, cheirei e cheirei porque não tinha amor, porque o pedro era um canalha, e não tinha paz. porque não tinha vida, cara. tava fodida. tava fodida com um coração em pedaços e um nariz apodrecido.

mas não fui vítima. não me vitimizem como vítima da geração, porque não fui. eu vitimizei a geração, eu ri nos ideais. eu era uma babaca, mas não vítima.

prazer, meu nome é andréa machado. eu tenho vinte e nove anos. rica, linda, recuperada, pelo menos até agora.


E por que haverias de querer minha alma
Na tua cama?
Disse palavras líquidas, deleitosas, ásperas
Obscenas, porque era assim que gostávamos.
Mas não menti gozo prazer lascívia
Nem omiti que a alma está além, buscando
Aquele Outro. E te repito: por que haverias
De querer minha alma na tua cama?
Jubila-te da memória de coitos e de acertos.
Ou tenta-me de novo. Obriga-me.
(Hilda Hilst - Do Desejo - 1992)